top of page
  • Foto do escritorAndré Pacheco

Como a vacinação ficou na ‘moda’ nos anos 50 graças aos adolescentes

Os adolescentes americanos eram um novo fenômeno social, e estavam unicamente posicionados para uma campanha icônica de vacinação contra a poliomielite.




Elvis Presley é vacinado contra a poliomielite nos bastidores do programa de Ed Sullivan, antes de uma gravação em 1956.

FOTOGRAFIA DE ASSOCIATED PRESS


Era uma noite de sábado em Albion, uma pequena cidade a leste de Battle Creek, no Michigan, e os adolescentes faziam fila para entrar no baile no ginásio da escola.

O preço do bilhete? O braço à mostra.

Estávamos em 1958, e esta não era uma saída normal de sábado à noite: anunciado como um “Baile Salk”, este evento estava aberto apenas para jovens que desejassem receber uma dose da vacina contra a poliomielite desenvolvida por Jonas Salk, ou jovens que mostrassem um comprovativo de vacinação.

O baile fazia parte de uma campanha de cinco anos para promover a vacinação contra a poliomielite, uma campanha que juntou o conhecimento científico dos especialistas em saúde pública com a energia, criatividade e até sexualidade de uma nova e poderosa presença na sociedade americana – os adolescentes.



Elvis Presley visita Beth Currier (de 14 anos), à esquerda, e Elaine Brockway (de 17), ambas pacientes com poliomielite, na Califórnia em maio de 1957. Beth Currier, confinada a uma cadeira de rodas, presenteou Elvis com um álbum de recortes feito maioritariamente com a boca.

FOTOGRAFIA DE ASSOCIATED PRESS


A poliomielite - uma doença infecciosa induzida por vírus que pode levar à paralisia, a incapacidade, e até à morte - só se tornou num problema generalizado nos Estados Unidos no início do século XX. Antes disso, os cidadãos eram regularmente expostos ao poliovírus através de água potável insalubre, aumentando assim a sua imunidade natural. As mães também transmitiam imunidade aos filhos através do leite materno.

Contudo, a modernização dos sistemas de água e esgotos significou que havia menos pessoas expostas e deixou as crianças particularmente vulneráveis à infeção. E o baby boom no final dos anos 1940 e início dos anos 1950 criou as condições perfeitas para a transmissão generalizada de poliomielite. De repente, a imunidade já não estava garantida e dezenas de milhares de casos – sobretudo em crianças – começaram a surgir todos os verões, possivelmente devido às flutuações sazonais nos novos nascimentos.

O resultado foi o pânico, principalmente entre os pais. As piscinas e os bebedouros públicos eram encerrados todos os verões para evitar a propagação do vírus. Os adultos aterrorizados observavam os filhos, que outrora eram ativos, a dependerem de muletas para apoiarem os membros enfraquecidos, ou até mesmo a enfrentarem o confinamento em dispositivos enormes, os chamados “pulmões de ferro”, para ajudar na respiração. Os surtos de poliomielite aumentaram exponencialmente em finais dos anos 1940 e início dos anos 1950, atingindo o pico com quase 58.000 casos em 1952.

Foi então que se fizeram progressos com a vacina de Jonas Salk contra a poliomielite, que foi aprovada em 1955. O número de casos desceu abruptamente à medida que mais e mais crianças eram vacinadas. Mas, embora as crianças fizessem filas enormes para levar a vacina de Salk, os adolescentes eram decididamente mais lentos a querer tomar a vacina.


‘Quase indestrutíveis’


Parte do problema das campanhas da vacinação para adolescentes resumia-se à terminologia. Durante anos, as pessoas referiam-se à poliomielite com a expressão “paralisia infantil”, alimentando a impressão de que os adolescentes e adultos não corriam perigo. Para além disso, também havia a “inconveniência” do regime de três doses da vacina, e algumas pessoas tinham medo de agulhas ou da própria vacina.



“Os adolescentes sentiam que eram saudáveis, quase indestrutíveis”, diz Stephen Mawdsley, historiador social e professor de história americana moderna na Universidade de Bristol, em Inglaterra. Na realidade, eles eram tudo menos isso – e para se protegerem do vírus, precisavam da vacina.

Mas as mesmas forças sociais que faziam com que os adolescentes se sentissem (de forma errada) mais resilientes do que os mais jovens acabaram por se tornar numa arma secreta contra a poliomielite.

Antes da viragem para o século XX, os adolescentes não eram reconhecidos como um grupo social próprio. As subsequentes mudanças na sociedade americana, incluindo a ascensão do automóvel e a educação obrigatória que impedia as crianças de entrarem no mercado de trabalho precocemente, geraram o reconhecimento dos adolescentes como um grupo demográfico distinto nos EUA. “Vivem num mundo próprio e maravilhoso”, comentava um artigo da edição de 1944 da revista LIFE dedicado às raparigas adolescentes e suas modas.

Para responder aos atrasos na vacinação de adolescentes, o Instituto Nacional de Paralisia Infantil, uma organização sem fins lucrativos que distribuiu fundos angariados pela organização March of Dimes, começou a recrutar diretamente nesse relutante grupo demográfico. Em 1954, a organização começou a convidar grupos selecionados de adolescentes para os seus escritórios em Nova Iorque, entrevistando-os sobre as suas perceções e reservas em relação à vacina e a prepará-los com pontos de discussão para promover a vacina de Salk em casa.

Stephen Mawdsley diz que os adolescentes se sentiram motivados pelas experiências pessoais com sobreviventes e vítimas de poliomielite, e por um desejo de apoiar causas com as quais se importavam e pela procura de capacitação social.

“Eles estavam numa fase da vida em queriam que os adultos os respeitassem.”


Amendoins pela poliomielite


A guerra dos adolescentes contra a poliomielite assumiu várias formas. Enquanto as autoridades recrutavam ídolos de adolescentes como Elvis Presley e Debbie Reynolds para espalhar a palavra através de campanhas públicas de vacinação, os embaixadores adolescentes da vacina tornavam-se celebridades por conta própria ao participarem nos esforços de vacinação, ficando muitas vezes com as suas fotografias e nomes impressos nos jornais. Eles vendiam chupa-chupas “Lick Polio” e amendoins “Shell Out for Polio” para angariar dinheiro para a March of Dimes, e escreviam cartas apaixonadas nos editoriais dos jornais locais a pedir para os adolescentes se vacinarem.



Membros do grupo “Adolescentes Contra a Poliomielite” vendem amendoins em troca de doações para uma campanha de vacinação em Tallahassee, na Flórida, em 1956.

FOTOGRAFIA DE ARQUIVOS ESTADUAIS DA FLÓRIDA


A libido dos adolescentes também foi usada nos esforços de vacinação contra a poliomielite. “Algumas de nós, raparigas, falamos sobre não namorar com determinados rapazes se eles não tomarem as vacinas contra a poliomielite”, disse em 1958 Patty Hicks, presidente nacional do grupo “Adolescentes Contra a Poliomielite”. “A morena vivaz e de olhos escuros”, como Patty Hicks foi descrita pelo Spokane Chronicle, encorajou outras raparigas a fazerem o mesmo.

Mas havia um lado negro no esforço nacional para vacinar os adolescentes americanos: a exclusão. Ao publicitar a vacina contra a poliomielite essencialmente como uma forma para permanecer saudável, a campanha estigmatizou os sobreviventes da poliomielite no processo. Eventualmente, o ativismo dos sobreviventes ajudou a fomentar o movimento pelos direitos dos deficientes, que levou à Lei dos Americanos com Deficiências de 1990.

“Embora seja difícil quantificar o efeito que o ativismo adolescente teve na aceitação da vacina contra a poliomielite, a sua defesa ajudou a transformar as atitudes em relação ao vírus. De repente, as vacinas não eram apenas para adultos responsáveis ou crianças. Eram para os adolescentes fixes”, diz Stephen Mawdsley. Como resultado, a aceitação e vacinação de adolescentes aumentou no final dos anos 1950. (O Brasil chegou a vacinar 10 milhões de pessoas contra a poliomielite num só dia.)

Os avanços nas vacinas contra a poliomielite também ajudaram, e na década de 1960, uma vacina de dose única e mais barata substituiu a vacina de três doses de Jonas Salk. Desde 1979 que não há casos de poliomielite com origem nos Estados Unidos e, em 2016, havia apenas 42 casos de poliomielite no mundo inteiro. Embora a pandemia de coronavírus, bem como o conflito em lugares como o Afeganistão e o Paquistão, provavelmente tenha aumentado os números da poliomielite em 2020, a vacinação contra esta doença é agora considerada padrão.

Passaram-se mais de 60 anos desde que o “Baile Salk” percorreu a nação, e agora os Estados Unidos estão noutro impulso de vacinação nacional na corrida para estancar os casos de COVID-19. Mas a hesitação em relação à vacina permanece em algumas populações e – num eco do impulso de vacinação contra a poliomielite de meados do século XX – a administração Biden anunciou recentemente que planeia usar celebridades, atletas e as redes sociais para chegar aos adolescentes elegíveis para a vacinação contra o coronavírus.

Ao nível político, social e geracional há ecos que alimentam a hesitação em relação às novas vacinas. Mas a “moda” de vacinação de adolescentes das décadas de 1950 e 1960 oferece lições sobre como se pode fomentar a inoculação em nome da saúde pública.

“Precisamos de identificar os grupos que estão hesitantes e recrutar dentro das suas fileiras, educá-los e enviá-los de volta com mensagens que os informem”, diz Stephen Mawdsley. “Caso contrário, não vamos conseguir passar a mensagem.”

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com




2 visualizações0 comentário

Comments


Agende sua Aula
bottom of page