top of page
  • Foto do escritorAndré Pacheco

"Não Olhe para Cima": a ciência por trás do filme sobre o fim do mundo

CAMILA MAZZOTTO*



A estudante de astronomia Kate Dibiasky estava monitorando supernovas quando um ponto de luz fisgou sua atenção. Não era um rastro de explosão estelar: era a “cauda” de um cometa gigante — e estava em rota de colisão com a Terra. Alertar a humanidade sobre os impactos do corpo celeste a caminho é o desafio da cientista e de seu professor no filme Não Olhe para Cima, longa estrelado por Jennifer Lawrence e Leonardo DiCaprio, que estreou na Netflix em 24 de dezembro.


Na produção do gênero catástrofe, Dibiasky e o docente de astronomia Dr. Randall Mindy, interpretados por Lawrence e DiCaprio, respecitvamente, unem forças com o Dr. Oglethorpe (Rob Morgan), chefe de defesa planetária da Nasa, para tentar advertir autoridades e espalhar nos meios de comunicação a urgência do que estava por vir. Para fazer o alerta, eles procuram desde a presidente dos Estados Unidos (Meryl Streep) até um programa matinal televisivo — mas ninguém se importa.


E o perigo é dos grandes: ao analisar as características do objeto astronômico à distância, os cientistas concluem que o cometa — feito de gelo, poeira e material rochoso — era maior do que o asteroide de Chicxulub, o famigerado corpo celeste que extinguiu os dinossauros há 65 milhões de anos.

Como se isso não bastasse, a velocidade da órbita do corpo celeste indicava que a sua colisão com a Terra ocorreria em nada mais nada menos do que seis meses, quando o cometa seria capaz de atingir o Oceano Pacífico a 100 km/h, causando tsunamis de quase 1,5 km de altura e terremotos de grau 10 ou 11. Seu impacto, estimaram os astrônomos da ficção, seria equivalente a um bilhão de bombas atômicas de Hiroshima. Em outras palavras, não sobraria ninguém para contar a história.



Fora das telas, no entanto, não há motivo para entrar em pânico: a probabilidade de um cometa como esse colidir com o nosso planeta e causar um evento de extinção em massa nos dias atuais — ou dentro de pelo menos uma centena de milhões de anos — é baixíssima. “É extremamente improvável termos impactos realmente grandes como este, impactos que são capazes de causar esse tipo de devastação global”, afirma em entrevista a GALILEU a Dra. Amy Mainzer, astrônoma da Nasa que prestou consultoria ao filme. “Achamos que isso só acontece uma vez a cada 100 milhões de anos ou mais”.

Mainzer é uma das centenas de cientistas envolvidos em um trabalho nada casual: a caça de objetos celestes. Ela é a investigadora principal do Neowise, um telescópio espacial da agência espacial norte-americana cujo objetivo é descobrir e catalogar novos asteroides e cometas.

Em março de 2020, o instrumento descobriu um dos poucos cometas visíveis a olho nu do século 21. Não era perigoso. Era, na verdade, o mais brilhante dos últimos sete já identificados pelo projeto — não à toa, o corpo celeste foi batizado com o nome do próprio telescópio, “Cometa Neowise”. Foi nele que a astrônoma se inspirou para criar o cometa fictício do filme Não Olhe para Cima.


A verdade na ficção


Se por um lado é altamente improvável que o planeta Terra seja destruído por um cometa nos próximos 100 milhões de anos ou mais, descobrir ou observar um objeto celeste quando ele já está a poucos meses de distância — como ocorreu com a estudante de astronomia Dibiasky — não é ficção científica. Segundo Mainzer, o Neowise, por exemplo, foi descoberto no final de março, mas no início de julho já havia se aproximado do Sol.


E não é anormal que cometas de longo período como esse, que vêm de lugares distantes da parte externa do Sistema Solar, consigam se mover com velocidades altas em relação à Terra. “Isso é bastante realista no filme”, diz Mainzer. Contudo, mais uma vez: não é preciso se desesperar. “A boa notícia é que o espaço é tão grande que é incrivelmente improvável que o cometa e a Terra estejam no mesmo lugar ao mesmo tempo”.

De acordo com a astrônoma, que também é professora de defesa planetária na Universidade do Arizona, nos EUA, até agora os cientistas já foram capazes de identificar mais de 90% de todos os asteroides próximos à Terra que são tão grandes quanto a rocha espacial que destruiu os dinossauros milhões de anos atrás.

Quando se trata dos menores, que têm cerca de 100 metros — o equivalente a largura de um campo de futebol — e podem causar danos regionais, ainda há muita investigação pela frente: Mainzer estima que de 30% a 40% deles são conhecidos. "Mas estamos trabalhando nisso e acho que chegaremos lá se continuarmos fazendo nosso bom dever de casa básico", observa a cientista.

Os gigantes, do tamanho de cometas como o fictício do filme ou maiores, também são paulatinamente descobertos e mantidos sob controle pelos astrônomos. Recentemente, um deles chegou até a ser confundido com um planeta anão: o cometa Bernardinelli-Bernstein. Apesar de ter sido detectado pela agência norte-americana em 2014, foi só em outubro deste ano que o objeto foi identificado pelos cientistas. Com 150 km de diâmetro, ele é considerado o maior cometa já descoberto. Mas sua órbita está bem longe de nós.


É o caso também do asteroide 4660 Nereus. Cerca de 9 vezes maior que o Cristo Redentor, ele entrará na órbita da Terra no dia 11 de dezembro. Sua aproximação é considerada "perto" na escala astronômica (3,93 milhões de quilômetros), mas equivale a mais de 10 vezes a distância entre o nosso planeta e a Lua. Isso significa que é seguro o suficiente para evitar problemas, mas próximo o bastante para ser observado com maior precisão pelos cientistas.


E se o risco fosse real?


Se por acaso algum desses objetos estivesse próximo ou em rota de colisão com a Terra, os cientistas têm basicamente duas alternativas na manga para defender o planeta: destruir o corpo perigoso ou alterar sua trajetória para evitar que colida conosco. Vários observatórios automáticos rastreiam o céu diariamente para tentar localizar esses corpos com antecedência. Quanto antes um cometa ou asteroide for encontrado, melhor.

“Tudo depende muito das circunstâncias da descoberta e do que sabemos sobre os objetos”, explica Mainzer. “Em outras palavras, se encontrarmos o objeto quando ele estiver a 5 a 20 anos de distância, em vez de apenas 6 meses como no filme, por exemplo, temos toda uma gama de opções. E se podemos medir algo sobre suas propriedades físicas, como o tamanho, se é um corpo sólido ou um monte de pequenos fragmentos de cascalho, todas essas coisas determinarão exatamente qual é o melhor curso de ação”.


Astrônoma da Nasa, Dr. Amay Mainzer prestou consultoria ao filme Não Olhe para Cima (Foto: IMDb/Nasa)


Na semana passada, a Nasa deu início a uma empreitada para testar pela primeira vez um novo método de defesa planetária: lançou uma espaçonave — a DART — para, propositalmente, atingir um asteroide. A previsão é que a missão atinja sua meta no final de setembro de 2022. Seu alvo é o sistema binário 65803 Didymo, cujo asteroide principal (Didymos) mede cerca de 800 metros de diâmetro e o secundário (o Dimorphos) tem 160 metros de diâmetro. Eles estarão a 11 milhões de quilômetros da Terra. Não há perigo de colisão.


Revisão por pares


No filme Não Olhe para Cima, o diretor da empresa de celulares BASH (Mark Rylance) propõe que o cometa avistado seja quebrado em fragmentos menores durante seu curso a partir de um acelerador de partículas. Apresentado como um dos três homens mais ricos do mundo, o empresário contrata cientistas para tirarem sua ideia do papel.

O objetivo é lucrar com os materiais essenciais contidos no corpo celeste. Mas o recurso, segundo Mainzer, é “muito exagerado" para os padrões tecnológicos do mundo real. Há, no entanto, um bom motivo para que ele apareça na história.Quando a proposta chega aos ouvidos dos astrônomos, a primeira coisa que eles se perguntam é talvez um dos termos técnicos que se tornaram mais populares em meio à pandemia de Covid-19: “o estudo já foi revisado por pares?”.



“Um ponto que enfatizamos no filme é que o processo de revisão científica por pares é realmente importante para ter certeza de obter as respostas certas”, destaca Mainzer, em referência ao processo em que especialistas não envolvidos em um determinado trabalho analisam o conteúdo de um estudo candidato a publicação. Spoiler: a ânsia por lucrar com os materiais advindos do cometa deixou a revisão por pares de lado — e o plano foi um fracasso.

De mãos dadas com a ciência


As consequências de menosprezar a ciência estavam na mente do diretor e roteirista da obra, Adam McKay. No painel da Netflix na CCXP Worlds 2021 neste sábado (4), o premiado cineasta norte-americano revelou que a ameaça do cometa, na verdade, é uma metáfora para falar de um desafio real e bem ao alcance dos olhos, mas igualmente menosprezado: a emergência climática.


“Eu escrevi o roteiro pensando sobre como nós ignoramos a crise climática”, disse McKay, para quem o longa é uma espécie de sátira do caos em que o mundo se encontra hoje. “E pensei na loucura que era estarmos encarando o maior desafio da história da humanidade e, ainda assim, dificilmente falarmos sobre isso”.

Como diz a astrônoma Mainzer, não é preciso sair por aí carregando “um guarda-chuva especial” contra objetos celestes. A mensagem por trás do filme, salpicado de ironia, é outra. “O que é mais importante sobre o filme ou que eu realmente aprecio é que vivemos em uma época em que é muito claro que a ciência é muito importante para o nosso dia a dia, quer estejamos percebendo ou não”, diz a cientista. “É uma espécie de chamado para confiar na ciência, mesmo que a ciência, às vezes, nos dê respostas que são difíceis de se conviver”.



Fonte: https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2021/12/nao-olhe-para-cima-ciencia-por-tras-do-filme-sobre-o-fim-do-mundo.html

0 visualização0 comentário

Comments


Agende sua Aula
bottom of page