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  • Foto do escritorAndré Pacheco

Pintura Rupestre com 45.000 Anos é a Mais Antiga do Mundo com Um Animal

Esta representação de um javali das Visayas é mais uma adição ao número crescente de achados de arte rupestre na Indonésia.


O suíno notavelmente grande que está representado na pintura rupestre pode refletir um dos principais alvos de caça dos artistas da antiguidade.

FOTOGRAFIA DE MAXIME AUBERT


Há cerca de 45.500 anos, na ilha indonésia de Celebes, humanos antigos aventuraram-se numa caverna e esboçaram a forma de um porco nativo com vários detalhes. Agora, os arqueólogos acreditam que este animal corpulento assinala o desenho mais antigo de uma criatura alguma vez descoberto em qualquer lugar do mundo.

Num estudo publicado no dia 13 de janeiro na revista Science Advances, uma imagem do desenho mostra o animal aparentemente a observar dois outros javalis envolvidos numa briga. Os contornos de duas mãos humanas estão perto da traseira do animal, e uma mancha no centro da imagem parece sugerir uma quarta criatura.

A pintura, feita com pinceladas de ocre vermelho nas paredes de uma caverna, foi descoberta em dezembro de 2017 pelo arqueólogo local Basran Burhan, que atualmente é doutorando na Universidade Griffith da Austrália. Basran liderava uma pequena equipa à procura vestígios de atividades humanas nas cavernas de Celebes do Sul quando descobriu a arte rupestre do suíno num local conhecido por Leang Tedongnge.

De acordo com Adam Brumm, primeiro autor do estudo e arqueólogo da Universidade Griffith, esta pintura antiga pode representar os troféus de caça mais cobiçados na época.

“Aqueles porcos são muito, muito pequenos, mas os artistas da antiguidade retrataram-nos com uma gordura muito resplandecente, que imagino ter algo que ver com o seu interesse em caçar os porcos maiores e mais gordos que conseguiam encontrar, e que rendiam a maior quantidade de carne e proteína”, diz Adam.

Embora esta pintura possa ser a mais antiga do mundo encontrada até agora a representar uma figura, não é necessariamente a arte mais antiga. “Depende da definição de ‘arte’ que usamos”, diz Maxime Aubert, coautor do estudo e arqueólogo da Universidade Griffith. Recentemente, foram identificados alguns vestígios surpreendentemente antigos de criatividade, incluindo um rabisco com 73.000 anos na África do Sul que alguns especialistas acreditam ser o desenho mais antigo de que há conhecimento.

Mas a pintura recém-descoberta revela uma tradição cada vez mais rica de arte rupestre por toda a Indonésia. Nos últimos 70 anos, só na ilha de Celebes, os cientistas identificaram imagens em cerca de 300 cavernas. Isto inclui as outras pinturas rupestres mais antigas de figuras – uma imagem com pelo menos 44.000 anos que retrata a emoção de uma antiga caçada com humanoides de 12 centímetros de altura a perseguirem porcos e parentes mais pequenos de búfalos.



Esta arte rupestre pode representar uma cena com vários porcos, mas a erosão desgastou grande parte dos corpos de duas – possivelmente três – das criaturas, sendo difícil determinar exatamente o que retratava a imagem original.

FOTOGRAFIA DE AA OKTAVIANA


A quantidade de descobertas na Indonésia tem começado a alterar o pensamento dos cientistas sobre quando, onde e como é que surgiram os primeiros rasgos de criatividade humana, diz Maxime, afastando a “visão eurocêntrica do mundo” de que as pinturas sofisticadas só surgiram quando os humanos chegaram à Europa.

Primeiros vislumbres de arte

Para determinar a data de criação da pintura, uma equipa internacional de investigadores usou urânio radioativo, que se forma naturalmente no calcário. Conforme a água se infiltra na caverna, dissolve pedaços de calcário e o seu urânio, depositando-os em camadas finas ao longo das paredes. Como o urânio se decompõe em tório com uma taxa conhecida, os cientistas conseguem estimar uma idade mínima para a arte analisando as quantidades relativas destes dois elementos.

Os investigadores usaram um pequeno cinzel para remover um aglomerado nodoso de minerais depositados na perna traseira da figura mais completa para fazerem a datação por urânio-tório, e os resultados indicam que a pintura tem pelo menos 45.500 anos. Também é possível que estas pinturas sejam ainda mais antigas, já que este método só data os depósitos minerais por cima da arte, e não a própria pintura.

Sem uma datação adicional dos outros elementos na cena, os autores ainda não conseguem confirmar se todo o mural foi criado de uma só vez. Um dos javalis parciais é feito de dois pigmentos de cores diferentes, algo que os autores dizem poder refletir vários períodos de pintura.

Adhi Agus Oktaviana, coautor do estudo e investigador da Pusat Penelitian Arkeologi Nasional em Jacarta, na Indonésia, diz que ganhou um novo respeito pelos artistas da antiguidade quando traçou digitalmente as fotografias das figuras para o estudo.


Esquerda: Leang Tedongnge, a caverna onde a pintura de javali foi encontrada, fica na extremidade de um vale exuberante que está rodeado por formações rochosas. Direita: Os cientistas descobriram a obra de arte na parede posterior da caverna, muito acima do solo.

FOTOGRAFIA DE AA OKTAVIANA


“Penso que é incrível. Acho que eles sabiam exatamente como usar as ferramentas de desenho, como gerir a composição dos painéis”, diz Adhi Oktaviana, que também é doutorando na Universidade Griffith.

Estes primeiros vislumbres de arte refletem uma mudança vital na forma como os nossos antepassados se envolviam com o ambiente e a paisagem circundante, diz April Nowell, arqueóloga paleolítica da Universidade de Victoria, na Colúmbia Britânica, que não fez parte da equipa do estudo. “Eles estavam a imbuir o lugar com significado, talvez com uma dimensão simbólica”, diz April.

O novo estudo, publicado na Science Advances, também documenta a idade de outro javali pintado numa caverna nas proximidades – Leang Balangajia 1 – descoberto numa expedição feita pela equipa em 2018 e que foi datado de há pelo menos 32.000 anos. A antiguidade da atividade humana na ilha Celebes foi previamente confirmada pela presença de ferramentas que eram usadas no processamento de ocre – num local ali perto que se chama Leang Bulu Bettue – que estavam enterradas em camadas de sedimentos que datam de há pelo menos 40.000 anos.

“É possível que eles estivessem a usar esse pigmento para criar arte rupestre, mas não conseguimos extrapolar uma ligação direta entre as [ferramentas] e a arte rupestre em si”, diz Adam Brumm. Ainda assim, com o número de achados de arte rupestre com idades semelhantes na região, Adam acredita que essa ligação pode existir.

Mudança de perceção

Até recentemente, grande parte dos debates académicos sobre pinturas rupestres sofisticadas concentravam-se na Europa. Os animais nas paredes da Caverna de Chauvet-Pont-d'Arc, no sul de França, datam de há aproximadamente 36.000 anos. A manada de bisontes pintada no teto da Caverna de Altamira, no norte de Espanha, é da mesma época. E as inúmeras mãos estendidas e discos vermelhos na Caverna Castillo de Espanha datam de há mais de 40.800 anos.

Mas em 2014, uma equipa que incluía Maxime Aubert e Adam Brumm inverteu o panorama ao anunciar a descoberta de pinturas rupestres em Celebes que tinham pelo menos 39.900 anos. Até então, presumia-se que estas obras de arte não tinham mais de 12.000 anos.

“Isso corrói realmente a noção de que a Europa é a escola final da evolução humana”, diz April Nowell. Embora a pintura recém-descoberta seja apenas um pouco mais velha do que a detentora do recorde anterior, a sua descoberta acrescenta outra profundidade à arte nesta região.

“Algumas pessoas podem dizer que é apenas mais um porco”, diz April. “Mas isso não é o principal, porque isto demonstra claramente uma mudança maior e sustentada no comportamento.”

O número crescente de descobertas na Indonésia sugere que se pode ter desenvolvido uma arte complexa de forma independente na Europa e na Ásia, diz Maxime. Ou talvez os humanos já tivessem a capacidade para fazer estas obras de arte quando saíram de África, “e agora estamos a começar a encontrar os vestígios dessa arte onde quer que eles tenham ido.”

A idade da arte recém-descoberta também começa a preencher um espaço em branco de 20.000 anos no registo arqueológico, quando os humanos da antiguidade viajavam entre as ilhas onde atualmente fica a Indonésia e a Austrália. As escavações feitas recentemente no norte da Austrália revelaram a presença de humanos modernos na região há pelo menos 65.000 anos, mas as evidências da atividade humana na Indonésia só parecem surgir 20 milénios depois.

Contudo, apesar desta nova descoberta, continua a existir um vazio cronológico. Não há razões para pensar que, há cerca de 45.000 anos, os habitantes de Celebes começaram de repente a pintar, diz Maxime, acrescentando que é provável que existam obras de arte ainda mais antigas.

Uma coisa é certa, diz Adam: “Há mais surpresas por descobrir. Isto só mostra a quantidade de obras de arte que estão a espera para serem encontradas nesta ilha. Estão escondidas à vista de todos.”

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com


https://www.natgeo.pt/ciencia/2021/01/pintura-rupestre-com-45000-anos-e-a-mais-antiga-do-mundo-com-um-animal

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