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  • Foto do escritorAndré Pacheco

Será a Mais Antiga Gruta de Arte Rupestre Obra do Homem de Neandertal?

"É mais um elemento que prova que o homem de neandertal não era uma espécie distinta,” afirma o arqueólogo.



Na Gruta de El Castillo, um painel de impressões palmares, às quais se junta um ponto vermelho – não retratado na imagem – sugere que estes sejam os vestígios de arte rupestre mais antigos do mundo.

FOTOGRAFIA DE PEDRO SAURA VIA SCIENCE/AAAS



Pontos pré-históricos e impressões palmares, em tons carmesim, nas paredes de uma gruta espanhola são, atualmente, os vestígios mais antigos de arte rupestre no mundo, identificados até à data, segundo as conclusões de novas datações, sendo talvez o melhor dos indícios de que o homem de neandertal terá sido o primeiro a iniciar-se na arte rupestre à escala global.

Se for esse o caso, a descoberta abrevia a distância cultural que nos separa do homem de neandertal e dá força ao argumento de um cientista, que defende que os homens, conhecidos pelas suas sobrancelhas carregadas, não eram uma espécie à parte, mas, sim, apenas uma outra raça.

Dos onze lugares subterrâneos estudados pela equipa ao longo da costa norte do mar da Cantábria, em Espanha, a Gruta de El Castillo acolhe as pinturas mais antigas, entre as quais se destaca um simples ponto vermelho com sendo o elemento mais antigo.

Com mais de 40 800 anos, “esta é, atualmente, a expressão artística europeia mais antiga datada e separam-na, pelo menos, 4000 anos das últimas pinturas objeto de datação,” afirmou Alistair Pike, autor principal do estudo e arqueólogo na Universidade de Bristol, no Reino Unido.

Se estiverem corretas, as novas datações elevam a arte de El Castillo ao estatuto das pinturas rupestres mais antigas conhecidas à escala global, um título detido, anteriormente, pelas pinturas rupestres da Gruta de Chauvet, em França, que se acredita terem, pelo menos, 37 000 anos.

A equipa de Pike obteve as novas datações, com recurso a um método radiométrico, que assenta em taxas de decaimento do urânio presente nos depósitos de cálcio, que se formaram à superfície da pintura. A datação da tinta propriamente dita, de composição mineral, era inviável, uma vez que não continha nem urânio, nem o carbono necessário para a datação por radiocarbono.

Em vários casos, a arte espanhola deu provas de ser mais antiga, contrariando as estimativas anteriores baseadas em métodos indiretos, como a comparação estilística com pinturas em locais com datação mais precisa, segundo o estudo publicado a 14 de junho de 2012 pela revista Science.


O JOGO DAS DATAÇÕES


As novas datações levantam a possibilidade de que algumas pinturas tenham sido feitas pelo homem de neandertal, que terá vivido na Europa há 30 000 ou 40 000 anos. Acredita-se que o homem moderno também terá estado na zona, tendo chegado há cerca de 41 500 anos.

Este não seria, porém, o primeiro indício da arte rupestre dos neandertais a ser descoberto.

No início de 2012, os arqueólogos descobriram no interior de uma gruta em Málaga, Espanha, aquilo que acreditam ser pinturas rupestres feitas pelo homem de neandertal, datadas com 42 000 anos. Mas estes vestígios estão envoltos em controvérsia, segundo Pike.

"Os investigadores dataram uma amostra de carvão que recolheram do solo da gruta e extrapolaram a datação” às pinturas, afirmou Pike.

"A única conclusão que se pode tirar é que alguém fez uma fogueira no interior da gruta há 42 000 anos, mas isso não significa, necessariamente, que haja uma ligação entre a datação do carvão e as pinturas”.

Michel Lorblanchet, especialista em arte rupestre, defende que a prova de Pike também carece de robustez. Seriam necessários mais indícios para estabelecer, de forma inequívoca, que algumas das pinturas rupestres espanholas são obra da mente criativa do homem de neandertal.

"Eu faço parte do grupo daqueles que aguardam por provas objetivas de pinturas feitas pelo homem de neandertal, assim como pelo homo sapiens," disse Lorblanchet, um professor emérito na Universidade de Toulouse, em França.

"Mas datar uma pintura com cerca de 40 000 anos não prova, necessariamente, que tenha sido feita por neandertais”.

Pike, coordenador do estudo, refere, contudo, que as novas datações indicam apenas uma idade mínima de referência.

"A calcite poder-se-ia ter formado milhares de anos após a pintura ter sido feita,” afirmou. “Mas partilho da opinião de que é necessário efetuar a datação de outras pinturas para poder provar, de forma conclusiva, que algumas das expressões artísticas foram feitas pelo homem de neandertal e é nesse sentido que estamos a trabalhar atualmente… Creio que nos próximos anos será possível prová-lo”.


O CASO DA ARTE DO NEANDERTAL


Muitos cientistas duvidaram que homem de neandertal tivesse aptidões para criar arte simbólica.

Mas, nos últimos anos, essa abordagem foi, progressivamente, mudando, em parte graças à descoberta de pigmentos, pequenos objetos de arte e ao que se supõe ter sido pintura corporal em locais atribuídos aos neandertais, segundo Paul Bahn, um especialista em arte rupestre e membro do Instituto Americano de Arqueologia.

Segundo Bahn, que não participou no estudo, "haverá sempre um número residual de académicos, com mentes tacanhas, que defendem que os neandertais seriam selvagens embrutecidos, ligeiramente melhores do que os animais, mas, felizmente, esses serão sempre uma minoria em queda”.

"Creio que quase todos os académicos, com uma mente aberta, aceitam, sem reversas, a arte do neandertal”.

João Zilhão, coautor do estudo, vai mais longe, sugerindo que, se os neandertais foram, efetivamente, os responsáveis por parte da arte rupestre encontrada em território espanhol, então talvez não seja correto estabelecer uma distinção entre eles e o homem moderno.

"É um novo indício que sugere que os neandertais seriam uma variante racial europeia do homo sapiens e não uma espécie distinta,” afirmou o académico da Universidade de Barcelona.

Pike, responsável pelo estudo, afirmou que estes novos indícios ajudavam, pelo menos, a encurtar a distância que separa a evolução cultural do homem de neandertal e do homem moderno.

"Se nos detivermos sobre o percurso artístico do homem moderno, encontraremos em África contas feitas de pequenas conchas, pequenos pedaços de ocre e cascas de ovos de avestruz esculpidas em formas geométricas com 70 000 a 100 000 anos,” afirmou.



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Hoje, através do estudo de vários locais da Europa, “apercebemo-nos de que os neandertais seguiram um percurso idêntico. Deparamo-nos com contas feitas de pequenas conchinhas, representações e formas geométricas esculpidas em pedaços de osso. E hoje podemos estar diante do que pode ter sido a arte do neandertal.”

UM SALTO DE GIGANTE PARA O HOMEM DE NEANDERTAL?

Embora as pinturas mais antigas do estudo fossem, de uma perspetiva estilística, simples pontos e impressões palmares, as grutas também continham arte figurativa, como por exemplo cavalos e bisontes, remetendo para um período posterior ao desaparecimento do homem de neandertal.

"É possível que os pontos e outras representações não figurativas tenham sido feitos pelo homem de neandertal e as representações de cavalos pelo homo sapiens,” afirmou Paul Pettitt, membro da equipa responsável pelo estudo e especialista em arte rupestre na Universidade de Sheffield, no Reino Unido.

Mas "isso não pressupõe a existência de diferenças cognitivas entre ambos. Se você desenhar um animal e eu vários pontos, não existem diferenças subjacentes à nossa capacidade cognitiva”.

Essas supostas diferenças e agora estas pinturas estão no cerne do debate sobre aquilo que significa ser humano ou, pelo menos, um homo sapiens.

"Existe uma teoria que defende que a deslocação do homem moderno para os territórios ocupados outrora pelo homem de neandertal se deveu à aceleração das inovações culturais,” explicou Pike.

Para o homo sapiens, “as pinturas rupestres, tal como os instrumentos musicais e as esculturas de animais e figuras humanas, podem ter feito parte deste pacote cultural”.

Alguns cientistas defendem que a nossa espécie “deu um grande salto em frente” há 35 000 anos, num momento que definem como a revolução do Paleolítico Superior.

Segundo esta teoria, terá acontecido algo, talvez uma mutação genética ou um desenvolvimento linguístico, que terá desencadeado uma explosão artística e tecnológica no homo sapiens.

Mas João Zilhão, coautor do estudo, defendeu que os novos indícios que apontam para a aptidão artística do homem de neandertal “deviam ser motivo suficiente para levar os académicos a pôr de parte quaisquer teorias relacionadas com o grande salto em frente”.

"Na verdade, esses indícios sugerem que o aparecimento da arte figurativa foi precedido, tanto em África, como na Europa, por um longo período de representações geométricas ou abstratas. Quando muito, poder-se-á falar numa revolução do Paleolítico Médio, mas nunca numa revolução do Paleolítico Superior”.

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